Movimentações milionárias da Afipe estavam na mira do Coaf desde 2015, diz MP


Por Vitor Santana, G1 GO

 


TV Anhanguera tem acesso à decisão da Justiça sobre investigação na Afipe
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TV Anhanguera tem acesso à decisão da Justiça sobre investigação na Afipe

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já tinha identificado movimentações financeiras milionárias suspeitas na Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), em Trindade, desde 2015. O Ministério Público investiga a entidade religiosa por suspeita de desvio de dinheiro para compra de imóveis. Uma das transações que gerou desconfiança foi o pagamento de valores a uma empresa que não tinha funcionários registrados.

padre Robson de Oliveira, fundador da Afipe, se afastou da entidade após a Operação Vendilhões, feita pelo MP, e nega qualquer desvio de dinheiro.

A movimentação de R$ 677 milhões entre junho de 2015 a janeiro de 2016 nas contas da Afipe acendeu um alerta no Coaf, que encaminhou ao Ministério Público um relatório de inteligência financeira.

Segundo as investigações, foram pagos R$ 234 mil e R$ 1 milhão em maio e junho de 2017 para a empresa Plan Comercial e Serviços para locação de máquinas. Entretanto, em 2016, não havia registro de funcionários.

“O presente quadro deixa dúvidas acerca da capacidade da empresa de prestação de serviço, além da movimentação para elevados pagamentos a ela destinados, a origem do numerário, demandando aprofundamento investigatório”, apontou o MP no documento.

Afipe é alvo de investigação do MP por desvio de dinheiro — Foto: Gabriel Garcia/TV Anhanguera

Afipe é alvo de investigação do MP por desvio de dinheiro — Foto: Gabriel Garcia/TV Anhanguera

De acordo com o processo, uma das transações identificadas como suspeita pelo Coaf foi a transferência em abril de 2016 no valor de R$ 3,3 milhões da Afipe para o empresário Fábio Jacinto da Silva que atuava no ramo de holdings de instituições financeiras. Segundo o MP, “Há suspeita do Coaf em razão da […] movimentação de recursos incompatíveis com o patrimônio e atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente’”.

Ainda segundo o MP, outra movimentação suspeita é o pagamento no valor de R$ 2,5 milhões a duas pessoas, entre outubro de 2016 a junho de 2017, referente à compra e venda de gado, bem como venda de uma fazenda. “Mas tal como apontou a informação do Coaf, não houve apresentação de documentação idônea do alegado, gerando inícios de movimentação de recursos incompatíveis com a ocupação e capacidade financeira do cliente”, aponta o documento.

Em cinco meses, entre crédito e débito, o Coaf percebeu que a Afipe movimentou mais de R$ 260 milhões. Além da grande movimentação de dinheiro da entidade com empresas, também chamou a atenção as transações com pessoas físicas.

Entre os principais beneficiários estão Marden Gabriel Alves de Aguiar e a mulher, Maria das Dores Assis de Aguiar. O casal vendeu uma fazenda em Santa Bárbara de Goiás no valor de R$ 1,5 milhão para a Afipe. Os dois são pais de Marden Gabriel Alves de Aguiar Júnior, ex-secretário de Habitação de Trindade.

Uma testemunha ouvida pelo MP apontou que ele seria um dos beneficiários do desvio de verbas da entidade religiosa.

5 pontos para entender as investigações sobre o Padre Robson
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5 pontos para entender as investigações sobre o Padre Robson

O que dizem os citados

Em nota, a Plann Comercial e Serviços disse que não teve contratos dos valores citados com a Afipe. A empresa disse ainda que os contratos que foram firmados foram executados.

A defesa de Marden Gabriel Alves e Maria das Dores informou que o casal tinha uma propriedade rural à venda e que a Afipe se interessou em comprar, fazendo três transferências bancárias. A escritura foi feita, registrada em cartório e todos os impostos pagos e declarados à Receita Federal. A defesa reforçou ainda que Marden Júnior não teve participação nenhuma na negociação.

Já os advogados do Padre Robson de Oliveira disse que a Associação Filhos do Pai Eterno esclareceu que sempre teve toda a sua movimentação financeira legalmente contabilizada, tanto que nunca sofreu qualquer autuação fiscal.

A defesa teve acesso ao inquérito apenas nesta semana e, tão logo os advogados acessem todas as suposições do MP, as informações necessárias serão prestadas ponto a ponto. Por fim, os advogados disseram ainda que o padre Robson é o maior interessado na verdade e na transparência.

A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Fábio Jacinto da Silva até a última publicação dessa reportagem.

Padre Robson, durante celebração de missa em Trindade — Foto: Afipe/Divulgação

Padre Robson, durante celebração de missa em Trindade — Foto: Afipe/Divulgação

Pedidos de prisão e monitoramento de celulares

O documento da Justiça aponta que, além do pedido de prisão do padre Robson, também foi pedido a prisão de todos os membros da diretoria da Afipe ou, alternativamente, o afastamento e suspensão do exercício das funções dos envolvidos. Entretanto, o pedido foi negado.

O pedido foi embasado no fato do padre ter poder absoluto nos assuntos referentes a Afipe, sendo que a diretoria era toda subordinada a ele. “Com a manutenção de sua liberdade, terá acesso a todos os elementos de provas de interesse no desvendamento dos crimes praticados, e que se encontram no interior das associações, podendo inclusive, exercer seu poder sob as testemunhas e outros investigados”.

Além disso, consta no processo o pedido de monitoramento de 14 telefones celulares. Destes, nove pertenciam ao padre Robson.

Operação Vendilhões

Deflagrada na sexta-feira (21), a Operação Vendilhões, apura desvios na ordem R$ 120 milhões em doações de fiéis por parte da Afipe, presidida até então pelo padre Robson, figura presente na cena católica e bastante famoso em Goiás.

A investigação do MP aponta que a entidade recebe e gerencia cerca de R$ 20 milhões por mês. A biografia da entidade relata que as doações recebidas são voltadas para a evangelização por meio da TV e para obras sociais.

Ao longo dos últimos dez anos, o MP apurou que foram movimentados R$ 2 bilhões, sendo a maioria fruto de ofertas dos fiéis para a construção da nova Basílica da cidade, iniciada em 2012 e que ainda não foi concluída.

A obra foi orçada em mais de R$ 100 milhões naquele ano, mas o próprio padre admite que o valor final estimado chegou em R$ 1,4 bilhão. Um item que encareceu parte da obra foi a compra do maior sino suspenso do mundo, construído na Polônia especialmente para ser instalado na nova Basílica.

De acordo com o promotor de Justiça Sebastião Marcos Martins, a operação começou no início do ano passado, decorrente de outra investigação vinculada ao padre Robson, na qual ele foi vítima de extorsão. Um hacker chegou a ser condenado por extorqui-lo em R$ 2 milhões, valores pagos com dinheiro da Afipe.

Obra da nova Basílica de Trindade — Foto: Reprodução/Fantástico

Obra da nova Basílica de Trindade — Foto: Reprodução/Fantástico

Chantagem por supostos casos amorosos

A investigação sobre o desvio de doações começou após padre Robson sofrer ao menos cinco episódios de extorsão de dinheiro, em 2017, segundo depoimentos colhidos pela Justiça junto ao Ministério Público de Goiás e à Polícia Civil. Ao todo, o padre pagou R$ 2,9 milhões com dinheiro da Afipe em troca do arquivamento das mídias.

A defesa do sacerdote disse ao G1, por meio de nota, que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás decidiu pelo sigilo do processo mencionado e que "respeita a decisão incondicionalmente". O padre também disse que "confia no Judiciário goiano e é o maior interessado em que a verdade prevaleça".

A defesa ressalta quanto a isso, por fim, que além do segredo de Justiça que envolve o processo, que "o conteúdo de todas as mensagens é falso, conforme sentença do TJGO que puniu os responsáveis. Os criminosos foram punidos e presos. Não há autenticidade nem veracidade em nenhuma declaração proveniente deles". Em 2019, cinco pessoas foram condenadas por extorsão contra o padre, com penas que variam de 9 a 16 anos.

Do montante de R$ 2,9 milhões, o MP afirma que a associação ficou no prejuízo em R$ 1,2 milhão, quase a metade da quantia. Porém, segundo a defesa do padre, o valor usado nos pagamentos foi recuperado e está depositado em conta judicial, aguardando liberação para retornar às contas da Afipe.

Um dos relacionamentos amorosos apontados pelo juiz Ricardo Prata na decisão seria com o próprio hacker que invadiu os celulares e e-mails do padre. O magistrado narra no documento que a informação foi realçada por testemunhas à época do processo de julgamento.

A decisão do magistrado traz um segundo romance usado no esquema de chantagem. Em depoimentos ao Ministério Público, um policial civil que estava na investigação e uma pessoa próxima ao padre disseram que os hackers encontraram uma foto dele com uma mulher, também do círculo de amizade do pároco, e uma conversa relatando situações amorosas.

"Ele [Robson] me mostrava [mensagens]. Um dos vídeos, vamos lá, um deles né, parece que era um vídeo gravando a tela de outro celular, onde tinha uma foto do padre com a [mulher] próximos um ao outro, e suposta troca de mensagens amorosas, né?", relatou a pessoa ao MP.

Em depoimento ao Ministério Público de Goiás, o padre Robson admitiu que fez repasses aos chantagistas sem o monitoramento da polícia, que acompanhava o caso. Uma funcionária da Afipe chegou a levar maços de dinheiro, que eram deixados em um carro parado num shopping de Goiânia, para pagar pelo silêncio dos hackers.

"São todas insídias muito fortes, causam intimidação e também muita confusão na cabeça. Se eu agi mal em alguma coisa, eu agi de boa-fé colocando as coisas na tentativa de se resolver", diz o padre em trecho do depoimento.

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